No início do século XIX, quando a economia dos Estados Unidos ainda engatinhava em direção ao que viria a ser a maior nação capitalista do planeta, o escritor americano Henry David Thoreau (1817-1862) já questionava o consumismo desenfreado que tomara conta de seus conterrâneos.
Desiludido com os rumos da “terra das oportunidades”, Thoreau trocou a vida na cidade por uma experiência de dois anos na Floresta de Walden, em Massachusetts. Em plena expansão da economia capitalista, ele buscava a simplicidade de viver em harmonia com a natureza. Nascia ali uma das primeiras vozes modernas a pregar a frugalidade. “Um homem é rico na proporção do número de coisas das quais pode prescindir”, escreveu Thoreau no livro Walden, a vida nos bosques, obra em que ele relata seu período como eremita.
Quase 150 anos depois, o despojamento perseguido por Thoreau parece enfim estar na moda – inclusive no Brasil. Ele é motivado, em parte, pela crise financeira mundial. A atual escassez de crédito pode encerrar o ciclo de esbanjamento dos últimos anos e dar início a uma nova era de austeridade. Antes do estouro da bolha forçar um basta à extravagância, porém, outros filósofos do cotidiano se propunham a recuperar e atualizar teorias parecidas com as de Thoreau – e também com as de clássicos como os gregos Aristófanes e Epicuro. São ideias que propõem uma revisão radical das escolhas e dos hábitos de consumo.
No lugar da gastança, o comedimento. “A frugalidade é uma maneira de recuperarmos coisas imateriais importantes que haviam sido perdidas: tempo, saúde e felicidade”, disse a ÉPOCA o escritor e documentarista americano John de Graaf, autor do livro Affluenza: the all-consuming epidemic (algo como A epidemia do consumo total), ainda sem previsão de lançamento no Brasil. Affluenza é um trocadilho criado a partir de influenza, nome inglês do vírus causador da gripe. Segundo Graaf, o consumo também seria uma doença, caracterizada por “sintomas de ansiedade, dívidas e desperdício”.
Antes que Graaf descrevesse o consumo como doença, a pressa já havia sido diagnosticada como um sintoma de desvio comportamental típico da nossa era. “Vivemos o delírio do tempo. Tudo tem de ser veloz. O processo e a reflexão são sempre pouco importantes”, diz o filósofo Mário Sérgio Cortella, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “A gente só faz o urgente, o importante fica para depois”. Uma vacina contra essa mentalidade da urgência surgiu na Itália, em 1986. Foi quando alguns donos de restaurante italianos se uniram para barrar o avanço das redes de fast-food. Surgia assim o slow food, um movimento para resgatar os prazeres da mesa que iam se perdendo com as refeições rápidas e industrializadas.
A ideia deu origem a uma filosofia de desaceleração. Em 2002, a cidade japonesa de Kakegawa se autointitulou a primeira cidade “slow” do mundo. A prefeitura lançou um manifesto com ideias para uma vida mais saudável – e devagar. A população de 118 mil habitantes foi conclamada a andar a pé, construir casas com bambu e papel e cultivar o hábito do tradicional chá japonês. A prefeitura também passou a tomar medidas para negociar a redução da carga horária dos trabalhadores da cidade. A lógica do slow food ainda serviu de exemplo para o conceito do slow travel (turismo sem pressa), que propõe conhecer menos destinos com mais profundidade, mergulhando na cultura local.
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