As artes do suíço Rolf Fehlbaum, que, do prédio aos móveis, transformou sua fábrica em templo de design
por Raul Juste Lores na Basiléia (Suíça)
Fotos Divulgação
A maior concentração de design e arquitetura premiados por metro quadrado não mora em Nova York ou Londres. Está nos Alpes, entre as cidades de Basiléia, lado suíço, e Weil Am Rein, na fronteira alemã. Ali fica a sede da Vitra, tradicional fábrica de móveis que virou ponto de peregrinação para fanáticos do bom desenho. Em poucos quarteirões, há diversos prédios desenhados por vencedores do prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura. Dentro da fábrica, na linha de produção ou no museu Vitra, está o melhor do design mundial das últimas cinco décadas.
Foto Hans Hansen |
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Cadeiras do casal americano Charles e Ray Eames, o começo da Vitra; ao lado, Fehlbaum com as Panton Chair, de Werner Panton |
Construídos nos anos 80, os edifícios que abrigam a sede e o museu da Vitra foram os primeiros delírios em linhas sinuosas do americano Frank Gehry, que anos depois se tornaria uma celebridade com seu Guggenheim Bilbao. O auditório e as salas de reunião marcaram a estréia do mestre minimalista Tadao Ando fora do Japão. O antigo posto da brigada de incêndio, hoje uma sala de exposições, carrega a fama de ser o primeiro projeto da iraquiana Zaha Hadid, até então considerada "vanguardista" demais, a ficar de pé.
Quem "descobriu" esses arquitetos antes de virarem celebridades foi o suíço Rolf Fehlbaum, que assumiu a direção da Vitra em 1977. Se a empresa ficou famosa a partir dos anos 50, quando seu fundador, pai de Fehlbaum, passou a produzir em série as poltronas de Charles e Ray Eames, na administração do filho, a própria fábrica virou objeto de desejo.
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A luminária Nuvem Mamma de Frank Gehry, criador do Guggenheim de Bilbao |
O Museu de Design Vitra, dentro da cidadela da empresa, possui a maior coleção particular de móveis de design no mundo maior inclusive que a do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. O acervo comporta desde a primeira cozinha moderna, criada na Bau-haus, ao próprio ateliê do casal Charles e Ray Eames. Atualmente, uma exposição sobre o lar do futuro tem peças dos irmãos Campana, entre vários outros.
O galpão principal e a entrada da fábrica são de autoria do português Álvaro Siza. Ali, robôs torturam as cadeiras desenhadas por Phillipe Starck, Antonio Cit-terio e Ron Arad, para testar sua resistência. Peças de Isamu Noguchi e dos ir-mãos Ronan e Erwan Bou-roullec resumem as tendências desde os anos 50.
Fehlbaum, 65, é um perfeccionista. Ao saber que a prefeitura de Weil Am Rein queria colocar um ponto de ônibus meio sem graça na portaria da Vitra, ele se antecipou e convidou o inglês Jasper Morrison para desenhar o equipamento público, doado depois à cidade. Quem chega à fábrica de ônibus já é recebido por esse aperitivo da vanguarda.
Foto Andreas Stterlin |
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A poltrona Castor de Frank Gehry, criador do Guggenheim de Bilbao |
"Se tenho que construir um novo prédio, por que não pegar os melhores para desenhar? Não é tão mais caro. Pode levar mais tempo, mas ser um bom cliente ajuda. O arquiteto precisa do desafio do cliente. Sou crítico, exijo muito", conta.
A Vitra também mantém ali a Fundação Luis Barragán, que administra o acervo do grande arquiteto mexicano, falecido em 1988, sob o comando da mulher de Fehlbaum, a arquiteta e jornalista italiana Federica Zanco.
"A arquitetura é um meio de marcar, chamar a atenção, criar imagens fortes. Ela já conseguiu mudar a identidade de cidades inteiras, como Bilbao, e o mundo corporativo da Europa e dos EUA descobriu seu poder há tempos."
Ele dá os exemplos dos mega-laboratórios Novartis e Roche, ambos com sede na Basiléia, que contratam grandes arquitetos para seus projetos de ampliação. "Os CEOs de hoje entendem o poder do design, sabem o que um lugar monótono, previsível, produz. A arquitetura é poderosa, ela transmite sinais aos quais as pessoas são expostas. Ignorar isso é um erro", afirma.
Foto Thomas Dix |
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Sala de exposições projetada pela iraquiana Zaha Hadid |
Para Fehlbaum, um prédio bonito vai além do ambiente de trabalho; qualquer obra grande é uma "responsabilidade cívica", já que produz um impacto na cidade que a rodeia. Com o enfraquecimento dos estados-nação e o aumento do poder das corporações, diz ele, as empresas têm que assumir um papel social mais relevante.
"Todo prédio é uma expressão pública. Por que não demonstrar responsabilidade com o entorno, dar orgulho a seus funcionários, respeitar a vizinhança? Você tem um enorme efeito sem tantos custos extras." O empresário critica o fato de o mundo corporativo fugir de gente criativa, "que não é manejável, tem opiniões fortes". "Pessoas criativas são iluminadas, você as atrai se souber respeitá-las."
Foto Thomas Dix |
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A Moreover, do israelense Ron Arad |
Seu primeiro contato com o design ocorreu aos 16 anos, quando acompanhou o pai, que não falava inglês, aos EUA, para tratar da licença de industrialização das criações do casal Eames na Europa. Além delas, a Vitra produziria a primeira cadeira 100% plástico, desenhada pelo dinamarquês Verner Panton em 1960, que instantaneamente virou ícone pop.
Mas Fehlbaum estudou ciências sociais e economia, trabalhou com cinema e arquitetura, e por muitos anos não pensou em trabalhar com o pai, com quem manteve conflitos típicos da juventude dos anos 1960. Só em 1977, aos 36, é que começou a trabalhar na Vitra.
Um incêndio em 1980 foi a desculpa para começar a deixar sua marca. "Por que não chamar um grande arquiteto para a reconstrução?", pensou. O seguro cobrava urgência, e Fehlbaum sabia que teria problemas se a obra atrasasse muito. Ainda assim, convenceu o britânico Nicholas Grimshaw a apresentar um projeto em tempo recorde.
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"Rocs", paredes modulares de tecido para criar ambientes intimistas, dos irmãos Bouroullec |
Para comemorar os 70 anos do pai, convidou o artista Claes Oldenburg para fazer uma grande escultura na Vitra. Oldenburg apresentou ao jovem empresário seu amigo Frank Gehry. Até essa época, o arquiteto americano nunca tinha construído fora dos EUA _nem havia conseguido construir "à sua maneira". Além de desenhar para a Vitra a poltrona Beaver ("castor") e as luminárias Nuvens, Gehry projetou uma fábrica ainda "normal", mas fez outro prédio para abrigar a coleção de objetos que só crescia já tinha então 300 peças, de Alvar Aalto a Marcel Breuer, de uma cúpula desenhada por Buckminster Fuller em 1954 a um pequeno posto de gasolina de Jean Prouvé, de 1951.
Mais jóias estão encaminhadas. Uma nova fábrica, a cargo do escritório japonês Sanaa, e um showroom, concebido pelos conterrâneos Jacques Herzog e Pierre De Meuron.
SÃO PAULO POR FEHLBAUM
À primeira vista,São Paulo não parece ter personalidade,mas,ao passear pelo Centro Velho ou por Higienópolis, você descobre uma enorme variedade de arquitetos,de Franz Heep a Artigas, de Artacho Jurado a velhos Niemeyers” “O que mais me impressionou foi a força dos prédios de Lina Bo Bardi. Ela é incrivelmente contemporânea,o Sesc Pompéia,por exemplo,é de tirar o fôlego” “Paulo Mendes da Rocha faz prédios excitantes em condições bem mais difíceis que as de outras estrelas da arquitetura
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Recentemente, Fehlbaum "descobriu" o Brasil. Em 2003, o empresário virou jurado do prêmio Pritzker, "representando o lado dos clientes". No ano passado, visitou São Paulo para conhecer in loco as obras de Paulo Mendes da Rocha, premiado em 2006. "Ele faz prédios excitantes em condições bem mais difíceis que as de outras estrelas da arquitetura, que contam com clientes e orçamentos bilionários", diz.
Habituado a uma arquitetura extraordinária, ele diz que ainda conseguiu se surpreender por aqui. "Além de vários Niemeyers, o que mais me impressionou foi a força dos prédios de Lina Bo Bardi. Ela é incrivelmente contemporânea,
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Cadeira Landen, do alemão Konstantin Grcic |
o Sesc Pompéia, por exemplo, é de tirar o fôlego."
E São Paulo? "À primeira vista, a cidade não parece ter personalidade. Mas, ao passear pelo Centro Velho ou por Higienópolis, você descobre uma enorme variedade de arquitetos, de Franz Heep a Artigas, de Artacho Jurado a velhos Niemeyers."
Ficou decepcionado com a área da Berrini, onde se hospedou, pela quantidade de prédios "sem personalidade ou passadistas" e edifícios pseudo-neoclássicos. "Será muito decepcionante se o neoclássico kitsch virar a cara da cidade, se o shopping center for o coração dos paulistanos. Será frustrante."
Ninguém passa o dia fechado. Pessoas são multifuncionais. O que vejo é que o tempo das estações de trabalho totalmente abertas, sem paredes, já passou, e estamos resgatando a privacidade.
Via: Folha