- Que cara é essa? Dormiu mal?
- Pois é, tive uma péssima noite. Virei de um lado para outro, liguei a televisão, tomei um café, tentei ler um livro, arrumei a casa toda, conversei com as paredes e nada. O bendito sono não veio!
Queixas como essas não faltam na correria do dia-a-dia e, para elas, o Pai da Psicanálise, tinha uma explicação: “O melhor sonífero é a satisfação.” Mas será que isso resolveria o problema da insônia, que, de acordo com especialistas, atinge 50% da população brasileira?
Quem tem ou vive com alguém que sofre de insônia sabe muito bem os malefícios que o corpo e a mente estão sujeitos por causa do problema. Mau humor, estresse, incapacidade para executar as tarefas diárias, fadiga mental e cansaço são os mais freqüentes. Porém, quais são as causas da insônia? Por que tantas pessoas não conseguem dormir bem?
A Psicanalista e Psicóloga Clínica, Dr.ª Nadja Lappann Botti, observa que uma das principais causas da falta de sono é a insatisfação. “Como Freud explica, são as insatisfações cotidianas, as sexuais, a profissional, a financeira ou a emocional que podem levar ao comprometimento do sono”.
Para a professora aposentada, Maria Efigênia Dias Domingues, 61 anos, os acontecimentos diários trazem realmente grandes insatisfações. Quando fatos desagradáveis acontecem, ela sabe que não terá uma boa noite de sono.
Nadja afirma também que, em alguns casos, a insônia é conseqüência de uma tensão emocional, ou seja, um quadro de ansiedade que, para os insones, torna necessário o uso de tranqüilizantes. Anevita Maria de Assis, 49 anos, sofre de insônia e o seu principal problema é a ansiedade. “Levanto a noite toda, tomo chá, abro a janela. Parece que o mundo está caindo sobre mim. Sou muito ansiosa, durmo pensando em algo que tenho de fazer no dia seguinte”.
Faxinas
Muitas dificuldades de se gozar dos benefícios do sono vêm de tensões e preocupações. Uma pessoa que dorme preocupada com atividades que deve exercer, evidentemente, não terá um sono tranqüilo. Isso acontece com a recepcionista Eliane Cristina Costa, 32 anos. “Tenho insônia porque sou muito preocupada. Se eu tiver que fazer alguma coisa no dia seguinte, ou estiver passando por um problema emocional, isso será fatal para que eu não durma.” Eliane sofre de insônia há 12 anos. Para ela, o problema traz várias mudanças de comportamento, como irritação e uma vontade intensa de chorar.
Para os insones, os especialistas recomendam uma diminuição das tensões emocionais ou afetivas, a fim de que ocorra uma reorganização do sono. Todavia, Eliane se queixa. “Os médicos pedem para deixarmos de lado as preocupações na hora de dormir, tomando um banho para relaxar ou um calmante para acabar com a ansiedade. No meu caso, nada disso adianta”. Ela conta que já passou noites fazendo faxinas em casa. “Um fato interessante me aconteceu: levantei-me e dei uma arrumação geral em meu quarto. Mudei os móveis de lugar e limpei tudo, já que não conseguia ter sono”.
Mas conviver com a insônia não é uma tarefa fácil. Saber que está na hora de dormir e não ter sono pode virar um tormento. Mas há aqueles que tentam, de uma maneira ou de outra, driblar a situação. A estudante de Jornalismo, Jacqueline Faria, 25 anos, já se habituou aos distúrbios do sono. Para ela, a noite é um ótimo momento para as tarefas universitárias. “As madrugadas insones e silenciosas são o momento ideal para fazer trabalhos da universidade. As idéias ficam mais claras. Criar textos, nesse horário, pelo menos para mim, é uma delícia”, diz. Lindomar Pereira Leite, 25 anos, já não pode dizer o mesmo. Para ele, conviver com a falta de sono é o que Nadja Lappann denomina de “insônia em decorrência de traumatismo físico ou afetivo”, ou seja, aquela ocasionada por uma grande dor, pela experiência de uma cirurgia séria ou mesmo por uma separação. Lindomar faz tratamento contra o câncer no intestino. As dores e sofrimento da doença fazem com que ele tenha insônia. “São dores fortes. Viro para um lado e para o outro, mas não consigo dormir. A quimioterapia e os remédios me fazem acordar várias vezes durante a madrugada”.
Dormir bem está ligado a um sono que reorganize física e psicologicamente o ser humano. Por isso, não é correto afirmar que uma pessoa que dorme muito tenha um sono de qualidade. Ela pode estar sofrendo de uma doença chamada narcolepsia, um problema orgânico em que a pessoa tem um sono incontrolável e pode significar, também, uma busca de compensação da qualidade de vida perdida. É necessário que cada indivíduo organize o seu período de sono. Quanto mais profundo for o sono, melhor será a sensação de bem-estar. Para algumas pessoas, quatro ou cinco horas bem dormidas bastam, enquanto que outras não se sentem descansadas se não dormirem oito ou dez horas. Os recém-nascidos, por exemplo, dormem 16 horas por dia. Já os idosos, em geral, necessitam de menos horas de sono.
Silêncio
A poluição sonora é um fator que piora significativamente a qualidade do sono. Para uma pessoa que dorme no silêncio, o sono é liberdade. Porém, para aqueles que dormem em ambientes barulhentos, o sono é prejudicado, acarretando danos no desempenho físico, mental e psicológico.
O doutor e professor titular de Neurofisiologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Fernando Pimentel de Souza, dedicou-se ao estudo do efeito da poluição sonora para ajudar a entender e aliviar os malefícios sobre o sono e a vigília, que é o período em que a pessoa está acordada ou desperta. Em seu estudo, Fernando Pimentel, diz que a maioria das pessoas dorme de olhos fechados, anulando a percepção visual, que é responsável por mais de 90% das informações recebidas pelo homem. Contudo, a audição, o segundo sentido em quantidade de informação captada, mantém seus canais abertos. “Por isso, há a necessidade de se dormir no silêncio. Caso contrário, o nosso organismo, mesmo dormindo, começa manifestar seu alerta”, afirma.
Para aqueles que não conseguem dormir, o tique-taque de um simples despertador pode ser fatal. "O que tira o meu sono é o barulho. Se estou dormindo, até o ruído de um apagador de lâmpadas me acorda”, diz a costureira Laudira Alves Ferreira, 37 anos. Com a digitadora Jacqueline Íris de Oliveira, acontece o mesmo. “Acordo com facilidade durante a noite. Antes das três horas da manhã, não durmo. E quando consigo pegar no sono, qualquer som pode me acordar. Se alguém encostar na maçaneta da porta de meu quarto ou uma lagartixa passar em cima de uma folha de papel, meu sono vai embora”, conta.
Segundo Fernando Pimentel, existem três causas para a insônia. Em primeiro lugar, ele cita as causas intrínsecas, que estão ligadas a problemas orgânicos (pesadelos, pernas inquietas, ronco). Em seguida, ele ressalta a importância de se respeitar o próprio ciclo biológico, pois há pessoas que não obedecem a seus biorritmos, perdendo o horário de dormir devido a compromissos sociais e de trabalho. Por fim, ele destaca as intervenções do meio ambiente sobre as pessoas (barulho, calor ou frio, luminosidade excessiva, entre outros). Pimentel explica que são grandes os riscos que a insônia oferece para a saúde: a falta de capacidade intelectual e física é uma delas, o que pode gerar grandes acidentes no trabalho e no trânsito.
Sonoterapia
Neste terceiro milênio os especialistas afirmam que a tendência é de que os casos de Insônia aumentem. Pimentel enfatiza a questão da poluição sonora, em função da saturação do tráfego de veículos, e também a vida social desorganizada. Para Nadja Lappann, a piora deve-se aos conflitos, tensões e violências do dia-a-dia. “A modernidade exige de nós um papel ativo o tempo todo, nos aspectos profissional, afetivo, econômico e social. É necessário que a pessoa tenha um controle das situações estressantes e conflituosas da existência humana”, observa Nadja.
Existem muitas formas de tratamento que auxiliam no bem-estar durante o sono. Dentre eles, a sonoterapia, método que permite obter um sono contínuo, de profundidade variável, durante vários dias. Existem, também, os fatores ambientais, como a temperatura do dormitório, a rigidez do colchão e o nível de barulho. Substâncias excitantes como chá, café e cigarros devem ser evitadas. Atualmente, dispõe-se de um amplo repertório de técnicas de avaliação e tratamento de distúrbios de sono, em especial da insônia. São técnicas de relaxamento, intervenções cognitivas e orientação do estilo de vida.
A necessidade do sono é essencial para o ser humano. Ter um bom sono é sinal de se estar bem consigo mesmo. Deve-se dar importância aos momentos de descanso do corpo e da mente para uma completa recuperação física e psicológica.
Recomendações para se dormir bem
Durante o dia:
- Não tire sonecas durante o dia.
- Não faça exercícios físicos excessivos diariamente.
- Conserve o bom humor.
- Evite o estresse.
- Use estimulantes moderadamente: café, chá, coca-cola.
- Não pense sobre a noite mal dormida e busque solução de problemas.
Antes de deitar:
“Desacelere” o seu ritmo uma ou duas horas de se deitar e procure relaxar.
Vá para a cama sempre no mesmo horário.
Cuide que a temperatura da cama seja agradável.
Fique no silêncio ou ouça música relaxante e em nível suave.
Não se fixe em preocupações ou em conversas difíceis.
Não force dormir sem sono.
Pense em coisas agradáveis e tranqüilas, evitando emoções fortes.
Escolha roupas macias para dormir.
Ao deitar-se:
- Vá progressivamente se desligando.
- Respire profundamente e solte-se.
- Escureça o quarto.
- Procure a melhor posição para deitar-se.
- Pense em descansar e deixar os problemas para amanhã.
Extraído da Revista Múltipla - UNI-BH
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