O Brasil é arteiro – no bom sentido. De Norte a Sul, mãos habilidosas e criativas trabalham barro, fibra, papel, madeira, sementes, tramas e bordados. Da atividade artesanal nascem as mais variadas peças, cada uma com sua marca única, que jamais poderá ser repetida. Há inclusive gente de fora que encontra sua vocação artística em terras tupiniquins. Selecionamos 25 iniciativas de diversas regiões do país, que merecem ultrapassar as fronteiras dos próprios vilarejos e cidadezinhas para ganhar a atenção e o respeito do grande público. Outro trabalho também bastante valorizado são os bordados feitos pelas artesãs da Paraíba, que encantam pelos entrelaçados exclusivos. Boa viagem.
Conhecida como dona Zefinha, a paraibana Maria José do Nascimento aprendeu ainda moça a trançar a fibra do coqueiro. No início, fazia cestas, até que, num dia mais inspirado, decidiu tecer a galinha do quintal. A peça virou símbolo de seu trabalho e encantou, em 2001, a equipe da ONG Artesanato Solidário. Foi assim que dona Zefinha se tornou a mestra das mulheres de Pitimbu, município no litoral sul da Paraíba. Aprenderam com ela a desfibrar o talo da folha do coqueiro, a retirar e limpar esses fios e a trançar o xis, o passa-fita e outros pontos. Criaram frutas, flores (como a de alcachofra da foto) e animais, que garantem a renda de mais de 100 famílias e a perenidade desta arte. As peças do Trançados de Pitimbu (83 3299-1197) são vendidas em São Paulo pela Galeria Estação São Paulo (11 3813-7253).
Trançados de Pitimbu
A carioca Mucki Skowronski (21 3322-1672 / 2513-7361) se descobriu apaixonada pela pintura de tecidos depois de colorir um lençol que já dura mais de 20 anos. Ela produz roupas e objetos de decoração para sua própria loja e para outras marcas. As peças são tingidas pela equipe da artesã, que faz questão de trabalhar com portadores de deficiência auditiva. Para dar uma identidade maior a cada trabalho, bordados e outras aplicações foram incorporados às peças.
Cor e bordado
Foi em São Paulo, onde a argentina Juliana Bollini (11 3862-0225) mora há mais de 10 anos, que a artista plástica criou um mundo de fantasia com papel e sucata: são fadas que trocam de asas, super-heróis, curingas com pernas móveis... Feitos de camadas de papel e algodão – uma técnica conhecida como carta pesta –, seus delicados personagens ganham roupas de tecido, cabelos elaborados e mobilidade com estruturas de arame.
A magia do papel
Mulheres grávidas, anjos e noivas são figuras recorrentes nas mãos da ceramista Maria Adelaide Silva de Carvalho, que ainda criança aprendeu a criar seus brinquedos. Vizinho ao sítio onde morava, em Alagoa Nova, PB, havia um barreiro do qual ela e as irmãs extraíam argila para fazer bonecas, panelas e animais. Depois de casadas e com os filhos crescidos, quatro das dez irmãs resolveram transformar a brincadeira em ofício. Cada figura é colorida com pigmento de barro e leva três dias para ficar pronta. As peças são expostas na Casa do Artesão (83 3241-3928), em João Pessoa.
Do barro paraibano
Em Pirenópolis, GO, a artesã Cristina Galeão mantém loja, ateliê e um forno a lenha de alta temperatura, no qual confecciona utilitários de cerâmica. A matéria-prima vem da região, muito rica também em minério. A queima em alta temperatura e a mistura de minerais na massa tornam as peças do Ateliê Adobe (62 3331-1333) mais resistentes. A vegetação do cerrado decora as peças moldadas pela artesã, que reserva duas tardes da semana para ensinar o ofício a crianças de uma comunidade carente.
Inspiração do cerrado
As fiandeiras do noroeste mineiro continuam a produzir na roca a linha de algodão para tecer as roupas da família. Nos últimos anos, porém, a tarefa doméstica começou a ganhar um caráter profissional. O Projeto Veredas, apoiado pela ONG Artesanato Solidário/Artesol (38 3635-4121), reunião três localidades: as fiandeiras de Uruana cuidam do tingimento, enquanto as de Riachinho fiam a linha e as de Sagarana tecem novelos e peças de vestuário e decoração.
Fiar, tingir e tecer
Na Amazônia, fronteira com a Colômbia, os homens da tribo tukano esculpem há gerações bancos de madeira maciça. Chamados de kumurõ, eram destinados aos pajés. Desde 2002, uma parceria entre a tribo, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e o Instituto Socioambiental (11 3515-8900) tornou a peça acessível ao consumidor dos centros urbanos. O processo de confecção, porém, continua minucioso: cada peça leva por volta de 72 horas para ser confeccionada. Após o lixamento, segue a pintura com corantes naturais – a aplicação dos grafismos é feita com um pincel de capim e argila. A lavagem no rio amolece a argila que tinge o assento.
Símbolo indígena
Ninguém mais sabe como nasceu a tradição da renda de bilro (na foto, as peças de madeira que têm na extremidade um tucum, fruto de uma palmeira) em Morro da Mariana, um vilarejo no delta do rio Parnaíba, PI. Sabe-se, contudo, que essa complexa arte manual é passada de mãe para filha, história vivida pelas 120 mulheres da Associação de Rendeiras do Morro da Mariana (86 3323-0187 / 33224688), criada em 1993 com o apoio do Sebrae. Juntas, as rendeiras – esposas de pescadores e lavradores – atendem aos pedidos de palas, panos de bandejas, toalhas de mesa e até vestidos que chegam de todo Brasil.
Fio a fio
Quando Ivã Volpi (31 3547-7137) decidiu morar na pacata São Sebastião das Águas Claras, nos arredores da capital mineira, ele queria se dedicar às artes plásticas. No vilarejo de Macacos, começou a investigar as possibilidades do bambu. Cultivada no quintal do ateliê, a matéria-prima é colhida durante a lua minguante para afastar o risco de insetos e, em seguida, cortada, lixada e imunizada pelo artista. Assim está pronta para dar corpo a painéis (foto), pendentes e rosas, com pétalas moldadas com esmero.
Bambu versátil
Ricardina Pereira, ou melhor, dona Cadu, não imaginava que, muitos anos depois, sua descoberta de menina se tornaria uma importante atividade para as mulheres de Coqueiros, no Recôncavo Baiano. Ainda mocinha, ela aprendeu uma antiga tradição da região: a modelagem de panelas de barro. Então ensinou às outras meninas seu segredo. Agora, ela se orgulha de que boa parte das mulheres possa trabalhar sem deixar para trás o lugarejo. A produção, que já escoa para São Paulo por meio da Central ArteSol (11 3082-8460), também pode ser apreciada na Associação de Ceramistas de Coqueiros (75 3527-3176 / 3527-3095).
Panelas do Recôncavo
Toda manhã, por volta das 6 horas, José Francisco Borges (81 3728-0364) começa a rabiscar as histórias bem-humoradas que fizeram sua fama. A mais conhecida é A Chegada da Prostituta no Céu, que de gravura virou cordel devido à insistência do povo em saber o destino da personagem. Há quase 40 anos, ele vive de contar a cultura popular de Bezerros, sertão de Pernambuco, onde nasceu e mantém sua oficina. Contabiliza hoje 240 cordéis publicados e já perdeu as contas das gravuras que fez. Seu maior incentivador foi o escritor Ariano Suassuna, que nos anos 1970 proclamou Borges o melhor gravador popular do Nordeste.
Xilogravura marcante
Na cerâmica delicada de Svenja Kalteich (19 3826-1268), os orifícios ganham um ritmo harmonioso. A alemã, que aprendeu o ofício no Brasil, onde vive há mais de dez anos, começou a perfurar as peças com uma broca. De tamanhos diferentes, as pequenas aberturas revelam um atraente jogo de luz e sombra e realçam as formas do barro, torneado em tons claros ou escuros. As peças levadas ao forno são desenhadas no papel e moldadas no torno por Svenja, que já expôs no Japão, em Paris e Milão. Na foto, vasos com vidro interno para acomodar a água das flores e porta-velas.
Barro torneado
Todas as tardes, Maria Conceição Alves dos Santos sai de sua casa, em Helvécia, BA, para encontrar as mulheres da comunidade. Juntas, elas criam fruteiras (como a da foto), cachepôs e luminárias com lascas de eucalipto e sementes (olho-de-boi, olho-de-dragão e sabonete, tratadas com óleo de amêndoas para ficar mais resistentes), costuradas no arame como um crochê. Elas fazem parte de um grupo de trabalho apoiado pela ONG Supereco e pela Suzano Papel e Celulose. "A idéia é mostrar como o eucalipto plantado na região pode gerar renda", conta a designer Paula Dib, coordenadora do projeto. As peças ganharam espaço em lojas de São Paulo (à venda na Zona D, Reciclamundo e Tok&Stok) e até da Suíça.
Crochê de eucalipto e sementes
Antiga região quilombola, Sítio Muquém, a 76 quilômetros de Maceió, concentra uma comunidade de artesãos que se esmera na produção de panelas de cerâmica. Moradora do povoado, Irinéia Rosa Nunes da Silva (82 9989-4575), mudou essa tradição quando começou a fazer bonecos e cabeças. Considerada uma mestre artesã pelo Sebrae, cuja arte é um patrimônio cultural, Irinéia se orgulha de ter vendido peças para outros estados e países. Em 2004, seu trabalho foi selecionado entre os mais representativos do Brasil pelo Prêmio Unesco de Artesanato.
Personagens de uma artesã
Na comunidade de São Gonçalo, logo que amanhece, Auribela Rodrigues (65 3661-3491) corre para o ateliê improvisado no quintal e, à sombra de uma mangueira, às margens do rio Cuiabá, cria objetos com argila até o Sol se pôr. Ali, a artesã, que desde pequena via a avó e a mãe trabalhando o barro, produz mais de 100 peças por mês, cujas formas puras encantam. Suas mãos delicadas criam jarras, chaleiras e bonecas com ferramentas simples. Depois, as peças são estampadas com barro branco e queimadas no forno a lenha. Algumas são vendidas na Casa do Artesão de Cuiabá (65 3322-3220), e outras, enviadas para o exterior.
Cerâmica estampada
Santeiro desde os 10 anos, o baiano Osmundo Teixeira (73 3211-9805) tem na ponta da língua as histórias de vida das imagens que molda no barro. Em seu ateliê, em Itabuna, mantém uma biblioteca de iconografias, em que pesquisa como era a roupa da ordem religiosa, o atributo, se era abade, se era princesa. Sua técnica, chamada de casa de abelha, tem tradição secular romana e dispensa o uso de fôrmas. Em Portugal, onde estudou por cinco anos, aprimorou o trabalho, considerado singular pela anatomia perfeita e expressão diferenciada das imagens. Nossa Senhora da Conceição (foto), como santo Antônio e santa Ana, são imagens recorrentes na obra do artista, que calcula ter produzido mais de mil santos, que integram acervos de museus e coleções particulares.
Barroco divino
Há quase vinte anos, Mercedes Montero trocou São Paulo por Pirenópolis, no interior de Goiás – ela garante que foi a tradição tecelã da cidade, que remonta ao século 18, o que a levou para lá. Descobriu poucas artesãs em atividade, apesar de a memória do tecer ainda se manter viva. As mulheres da região chamam de teçume o ato de tramar. Assim, Mercedes batizou de Tissume (62 3331-1721) o seu ateliê, montado num casarão no centro histórico, e passou a pesquisar misturas de materiais: algodão, palha de buriti, fios de cobre e restos de tecido. Colchas (foto), cortinas, jogos americanos, luminárias, painéis e almofadas são alguns dos itens produzidos.
Misturas do tear
Ao sentir pela primeira vez o barro úmido nas mãos, a baiana de Jequié Cecília Menezes (71 3379-6187) se encantou com a possibilidade de reproduzir formas. Os modelos iniciais eram figuras de santos, luminárias e outros objetos decorativos, mas foram as bonecas que fizeram a fama da ceramista transpor os limites do país. Há moças da roça, damas do Brasil colonial, lavadeiras, baianas e noivas, ricamente decoradas, vendidas tanto em seu ateliê como em lojas dos Estados Unidos e da Inglaterra. Queimadas em forno de alta temperatura, as bonecas recebem acabamento de pátina policromada.
Mulheres do Brasil
Em Pasmadinho, distrito da cidade mineira de Itinga, no vale do Jequitinhonha, Adília Jorge da Silva aprendeu a modelar o barro de tanto ver sua mãe fazê-lo. Como ela, muitos da comunidade vivem da cerâmica. A tradição começou com as panelas, mas, ao longo dos anos, outras formas foram incluídas no repertório: burrinhos, casinhas e porcos, além de jarras e potes, moldados manualmente e queimados em fornos rústicos, instalados no quintal das casas. Em 2006, a técnica foi aprimorada graças às aulas organizadas pela ONG Artesanato Solidário (11 3082-8460) com a parceria do Sebrae. Os burrinhos de argila (foto) são produzidos pelo artesão Wagner Aparecido de Jesus, que, em um dia inspirado, chega a fazer até 20 peças.
Cenas de Jequitinhonha
Cesto sobre a cabeça, machado apoiado nas costas e porrete de madeira na mão. Imagem de mulheres valentes, mas com uma missão pacífica: coletar o coco da palmeira de babaçu, espécie abundante no norte do Tocantins. As quebradeiras de coco circulam pelas matas do Bico do Papagaio à procura do fruto, que alimenta e é fonte de renda para milhares de famílias rurais. Há quase dois anos, a matéria-prima ganhou outros usos: jogos americanos, luminárias, centros de mesa (foto), colares e até ioiô. São 80 itens produzidos por 90 artesãos capacitados pelo Laboratório Piracema, contratado pelo Sebrae. Mais informações: 63 3214-6106 ou vendasartnorte@gmail.com.
Tesouros do babaçu
Enquanto nas aulas de cerâmica todo mundo fazia vasos, a paulistana Juliana Chagas (11 3721-5492) decidiu investir nas galinhas, que acabaram se transformando em sua marca registrada. A inspiração das formas vem da observação do galinheiro mantido no quintal da casa de sua mãe. Em vez de penas, as aves ganham desenhos de flores, listras e o que mais a imaginação inventar.
Galinhas de cerâmica
São em vasilhas como estas, feitas do fruto da cuieira, que os moradores das comunidades ribeirinhas do rio Tapajós e de trechos do Amazonas saboreiam o tacacá, prato típico paraense à base de mandioca, camarão e folhas de jambu. A origem das peças remonta ao século 18 e aos povos indígenas da região. Usadas para tomar banho, cozinhar, consumir líquidos e alimentos, as cuias são confeccionadas por mulheres de pescadores e agricultores. O processo, guardado há gerações, consiste em cortar o fruto ao meio com facão, retirar o miolo, amolecer e lixar a superfície. A associação, criada em 2002, tem apoio do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Sebrae e Artesol. Mais informações: (93) 9652-1382 e artesanatoribeirinho@yahoo.com.br.
Cuias de Santarém
"Vivo na zona rural. Faço os animais que representam meu lugar", conta Oziel Dias Coutinho (83 9968-1728), morador de Itabaiana, PB. Autodidata, ele começou fabricando móveis na marcenaria montada em sua casa e, há dez anos, a pedido de uma lojista, esculpiu na madeira um macaco. Depois, vieram o tamanduá, a raposa, o sabiá, o tatu, a cabra e o cachorro (foto), feitos de troncos de mulungu e umburana. Para dar o acabamento, ele usa pó de madeira e cola branca, pinta com tinta fosca e lixa os objetos para desgastar. Com peças em diversas galerias do país, Oziel tem se dedicado predominantemente às esculturas.
Bichos do agreste
Na região centro-oeste de Santa Catarina, em Joaçaba, a tradição dos imigrantes italianos de fazer artesanato com palha de trigo está sendo resgatada graças ao projeto da associação Tranças da Terra (49 3521-3981 / trancasdaterra@terra.com.br). Cinqüenta artesãs criam bolsas, cestas e outros produtos de palha de trigo orgânico, uma alternativa de renda para os agricultores locais.
Formas da palha de trigo
Onze badalados chefs de cozinha foram convidados pelo Sebrae do Distrito Federal a preparar uma receita especial. As iguarias inspiraram 200 artesãs das cidades-satélites de Brasília, assistidas pelo programa Empreendedorismo Social, a bordar, pintar e tricotar panos de prato, toalhas de mesa, guardanapos e outros itens para a copa e a cozinha. "A idéia do designer Renato Imbroisi, que há mais de 12 anos coordena a produção desse grupo, deu origem à coleção Na Linha dos Chefs (61 3362-1622), em sua segunda versão", conta Antonieta Contini, gerente do programa.
Criatividade à mesa
Texto Original: casa.com.br
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