domingo, 6 de setembro de 2009

Maternidade suspensa

Cerca de um quarto das mulheres que engravidam passam por um aborto espontâneo. Conheça as razões que levam a essa fatalidade

Por Pamela Cristina Leme

Aproximadamente 25% de toda gravidez termina em aborto durante as primeiras 16 semanas, estimam os médicos. Como alguns ocorrem num tempo ainda menor (por volta de 20 dias), existem mulheres que abortam sem nem saber que estavam grávidas. Isso porque, em certos casos, um atraso na menstruação pode ser o único sintoma. Outras, no entanto, precisam enfrentar a impossibilidade de conhecer um bebê que se amou muito - e esse pode ser um evento extremamente complicado para a mãe, o pai e a família.
Casos de aborto espontâneo são comuns e nem sempre estão ligados a cuidados e atitudes que a mulher tomou ou não ao longo da vida. Na maioria dos casos, é até difícil saber o que de fato provocou tal fatalidade. "As más-formações cromossômicas costumam ser responsáveis por 50% dos casos de aborto espontâneo", aponta o ginecologista e obstetra Mariano Tamura Gomes, do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. Segundo ele, o problema se dá quando os cromossomos do espermatozóide encontram com os cromossomos do óvulo. Alterações genéticas no embrião fazem com que o feto não se desenvolva por completo ou desenvolva-se de maneira anormal.
"O aborto, nesses casos, é uma espécie de seleção natural, isto é, uma maneira de o corpo expelir aquele produto que não cresce normalmente", explica. Esse trabalho do organismo faz com que o risco da Síndrome de Down seja quase inexistente (um para 1.923 nascimentos). De acordo com o médico, é importante lembrar que a falha na cadeia do DNA não é culpa do casal. Além disso, nada impede a mulher de tentar engravidar outra vez.
A ginecologista e obstetra Silvana Chetit, do Hospital Beneficência Portuguesa, também da capital paulista, conta que é possível detectar anomalias genéticas entre o oitavo e o nono mês de gestação, por meio de um exame chamado biópsia do vilo corial. "Ele é feito através da vagina e do colo do útero. Uma amostra de células da placenta é retirada com uma agulha por um tubo de plástico e examinada no microscópio", esclarece. No entanto, o procedimento não impede o aborto. Em casos de má-formação leve, é possível que não haja complicações na gravidez e o bebê nasça sem problemas. Geralmente, casos desse tipo ocorrem duas vezes.
Perda depois de perda
Há mulheres que apresentam abortamentos sucessivos - os conhecidos abortos de repetição -, o que pode abalá-las emocionalmente e interferir no relacionamento do casal. O ginecologista e obstetra Arnaldo Schizzi Cambiaghi, diretor do Centro de Reprodução Humana do Instituto Paulista de Ginecologia, Obstetrícia e Medicina da Reprodução (IPGO), sinaliza que esse tipo de aborto é assim definido quando a mulher apresenta três ou mais perdas gestacionais antes de 20 semanas ou tem um feto que pesa menos de 500 gramas. "A incidência de casais em idade reprodutiva que apresentam abortos de repetição varia entre 2 a 5%", afirma.
Muitas são as causas que explicam essa interrupção espontânea da gravidez - algumas delas, aliás, ainda desconhecidas pela medicina (elas abrangem até 40% dos casos desse tipo de aborto). Comumente, as mulheres apresentam infecção do útero, incompetência ístimico-cervical, diabetes sem controle, alterações hormonais - como a conhecida insuficiência de corpo lúteo, caracterizada por uma produção diminuída de progesterona na segunda fase do ciclo, período de implantação, onde tal hormônio tem participação fundamental.
Um cérvix (parte baixa do útero) incapaz também pode provocar um aborto. Durante o trabalho de parto o cérvix dá abertura para permitir que o bebê saia do útero e passe através da vagina. O cérvix que começa a aumentar a abertura muito cedo pode resultar em abortamento. Isso sem contar as trombofilias. "Elas são alterações da coagulação do sangue que aumentam o risco de trombose e prejudicam circulação sanguínea na placenta. Podem ser adquiridas ou hereditárias", revela Arnaldo.
A ginecologista e obstetra Luciana Taliberti, do Hospital e Maternidade São Luiz, aponta que existem também os cuidados básicos com a saúde, que devem ser seguidos durante a gravidez - como deixar de fumar, tomar álcool, cuidar da alimentação, descansar -, embora algumas mulheres ignorem todas as recomendações e, ainda assim, tenham gestações bem-sucedidas - enquanto outras abortam. "Esses fatores alteram a produção hormonal e ajudam certas anomalias a se desencadearem com mais facilidade", diz.
Um aborto espontâneo pode ocorrer de diferentes maneiras. A mulher pode ter um curto período de desconforto e dor, seguido quase imediatamente pela perda da criança. Às vezes, podem surgir manchas de sangue ou sangramento leve - que aparecem e desaparecem muitas vezes - e, como é comum que muitas mulheres sangrem um pouco durante a gravidez, elas por vezes sequer percebem o que está acontecendo. Algumas têm dor na barriga ou na parte inferior da coluna, enquanto outras não sentem absolutamente nada. Outras abortam logo no início da gravidez, o que simplesmente pode parecer uma menstruação mais forte em conseqüência do atraso.
Vale ressaltar que o aborto espontâneo é passível de ocorrer a qualquer momento até o final da 24ª semana de gravidez - depois disso, a ocorrência, segundo a medicina, é de parto de natimorto.
"Por que eu?"
Essa costuma ser a pergunta da maioria das mulheres que sofrem um aborto espontâneo - em muitos casos, seguida de "O que eu fiz de errado?". Para Arnaldo Schizzi Cambiaghi, enfrentar e ultrapassar um aborto é uma tarefa que coloca em pauta o equilíbrio psicossomático da mulher. "A maioria das mulheres que sofre de aborto espontâneo consegue ultrapassar a perda, sem sofrer de perturbações psicológicas associadas. Mas o aborto pode ser bastante traumatizante, gerando perturbações psicológicas como a depressão e a ansiedade", alerta.
Algumas mulheres sentem que jamais poderão superar a perda. Em casos extremos como esse, elas devem procurar ajuda terapêutica, já que o diagnóstico e tratamento precoce dessas perturbações aumentam as hipóteses de recuperação rápida e total. Além disso, os ginecologistas entrevistados para a reportagem são unânimes em afirmar que eles também estão aptos a ouvir e dividir as ansiedades da mulher. Arnaldo defende a humanização dos cuidados com a saúde. "É imprescindível a criação de espaços específicos para ouvir estas mulheres, e para que se formem técnicos para atuar eficazmente sobre esta forma de sofrimento tão particular."

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